Sociedade é que torna o deficiente incapaz, afirma palestrante do I Seminário do Napne

3. setembro 2014 | Escrito por | Categoria: Câmpus Florianópolis, Eventos, Matérias

“Art. 6º. Serão admitidos os individuos que o requererem dentro do prazo marcado para a matrícula e que possuirem as seguintes requisitos, preferidos os desfavorecidos da fortuna:
a) idade de 10 annos no minimo e de 13 annos no maximo;
b) não soffrer o candidato molestia infecto-contagiosa, nem ter defeitos que o impossibilitem para o aprendizado do officio.”

SONY DSCEsse era o sexto artigo original do decreto presidencial 7.566 de 23 de setembro de 1909, que criou as Escolas de Aprendizes Artífices em todo o país, escolas essas que vieram a se transformar nos atuais Institutos Federais de educação tecnológicas. “Hoje, 105 anos, depois, esses detalhes do decreto nos fazem lembrar que já tivemos tempos piores no que diz respeito à inclusão” afirmou o vice-diretor do Câmpus Florianópolis, Marcelo Martins na abertura do “I Seminário Napne: As Perspectivas da Inclusão das Diferenças na Escola”, realizado na última sexta, 29 de agosto. “E mesmo há alguns anos, as iniciativas que tínhamos eram ações isoladas e, por isso, tenho certeza de que estamos avançando, num trabalho meio “Jesus Cristo”, captando apóstolos para espalhar os novos conceitos”, comparou o vice-diretor.

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O principal palestrante do evento foi Romeu Sassaki, assistente social e consultor de reabilitação e inclusão e autor de vários livros sobre o tema. “No começo, a inclusão teve foco na pessoa com deficiência. A origem do movimento foi a integração, que é bem diferente da inclusão. No começo da minha carreira, a gente atendia as pessoas para que elas fossem menos limitadas e pudessem se adaptar às regras sociais. Não me envergonho disso, desse jeito de trabalhar, porque eu sou fruto dessa época, em que se investiam milhões em todo o mundo para “melhorar” as pessoas com deficiência e assim elas pudessem conviver em sociedade”, lembra Romeu. Segundo ele, após alguns anos, ele começou a perceber que essa tentativa de adaptar à pessoa à sociedade não dava certo. Antes, a escola ou empresa recebia a pessoa com deficiência e se perguntava: “o que essa pessoa não é capaz de fazer”? Hoje, segundo o palestrante, vemos quais os recursos que podemos oferecer para que essa pessoa possa aprender e se desenvolver.

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“Temos que entender que o deficiente não é incapaz. Ele se torna incapaz por conta das barreiras que são impostas a ele, torna-se incapaz de conviver e atuar na sociedade. Uma pessoa em cadeira de rodas, por exemplo, ela tem como se locomover. Mas se encontra um ambiente em rampas, sem espaço adequado, ela se torna incapaz de transitar.”, explica o professor. Quando a sociedade está adequada para as diferenças, diz Sassaki, o deficiente é apenas isso: uma pessoa com deficiência.

Na área de educação, especificamente, Romeu Sassaki destacou que ainda está muito em uso o modelo de integração, onde o aluno com necessidades especiais convive com outros alunos, no mesmo espaço, mas ainda não é a inclusão de fato. “Hoje ainda não se vê tanto a adequação de conteúdo – quando todos os alunos fazem atividades diferenciadas conforme seu interesse e desenvolvimento, e sim a adaptação – quando apenas os alunos com deficiência fazem uma atividade diferenciada dos demais”, exemplifica Romeu. “Nas entrevistas e conversas que fiz, os alunos sempre falavam que se sentiam excluídos e humilhados, pois normalmente as adaptações eram simplificações do conteúdo, como se eles não pudessem aprender como os outros”.

“Temos que ter em mente que a inclusão hoje se refere não apenas à pessoa com deficiência, mas à toda diversidade humana. Não existem dois alunos iguais. E o desafio da inclusão consiste em ensinar a todos respeitando suas individualidades e ritmo de aprendizagem”, defende Sassaki.

SONY DSC“Para nós, da educação tecnológica, onde a maioria dos professores vem das áreas exatas e nem sempre passamos pela licenciatura, é importantíssimo uma oportunidade de discutir a inclusão, pois na graduação quase não se passa por esses temas”, lembrou o diretor de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão do Câmpus, José de Pinho Neto. A reitora do IFSC, Maria Clara Kaschny Schneider, lembrou do desafio que garantir o acesso a todos ao ensino tecnológico. “Mais do que atender à legislação, precisamos ter em mente que nós devemos e queremos atender às pessoas”, afirmou a reitora.

cris_G2A coordenadora do Napne (Núcleo de Inclusão das Pessoas com Necessidades Específicas), Cristiane Zapellini, ressalta que é preciso investir na formação continuada e estrutura para acolher a todos com qualidade. “Esse evento é o último do curso de Formação de Professores, projeto de extensão do câmpus, em 2014. É o fim e o começo de uma caminhada”, lembrou Cristiane, que citou também um ditado africano. “Se quiseres ir rápido, vá sozinho. Se quiseres ir longe, vá com alguém”.

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