IFSC faz homenagem ao professor Marcos Cardoso Filho, preso na ditadura

16. setembro 2014 | Escrito por | Categoria: Eventos, Matérias

Foto divulgação_Documentário-1O lançamento do documentário “História recontada: Marcos Cardoso Filho e a ditadura na Escola Técnica”, produzido pela IFSCTV, será o ponto alto da homenagem que será prestada na próxima segunda-feira (22) ao professor Marcos Cardoso Filho, que deu aulas na antiga Escola Técnica Federal de Santa Catarina (ETFSC) entre 1973 e 1975 e foi preso pelo governo militar na chamada Operação Barriga Verde, em função de seu envolvimento com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). A solenidade, que terá a participação de parentes, amigos, ex-alunos e ex-colegas do professor, será realizada no auditório da Reitoria, a partir das 19 horas. Também vão participar do evento representantes da Comissão Estadual da Verdade (CEV) Paulo Stuart Wright e do Coletivo Catarinense pela Memória, Verdade e Justiça.

Produzido a partir de relatório feito pelo Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) por solicitação da Comissão Estadual da Verdade, o documentário discute as circunstâncias da realização de audiência da Justiça Militar nas dependências da Escola Técnica, da qual Marcos participou como réu, na presença de vários dos seus alunos e colegas. As lembranças do episódio levaram Nestor Manoel Habkost, ex-aluno do curso de Eletrotécnica e hoje professor da UFSC, a apresentar o assunto à CEV, que, por sua vez, solicitou que o IFSC apurasse o que ocorreu na ocasião. Por meio da pesquisa em documentos da instituição, jornais da época e também no processo original da Operação Barriga Verde, confirmou-se que a audiência ocorreu nos dias 21 e 22 de setembro de 1976.

“Nós descobrimos que, na verdade, aquilo que o professor Nestor Habkost descreveu como um julgamento foi uma audiência da Justiça Militar para analisar o pedido de relaxamento de prisão de Marcos e de outros indiciados na Operação Barriga Verde”, afirma a jornalista do IFSC Ana Paula Lückman, que elaborou o relatório. “A 5ª Circunscrição Judiciária Militar, onde corria o processo, tinha sede em Curitiba, e o número de acusados era muito grande. Então para evitar a necessidade de deslocamento de muitas pessoas, optou-se por realizar a audiência em Florianópolis, em um espaço federal como a Escola Técnica”, acrescenta.

Na pesquisa ao processo original, que tem 12 volumes e mais de 3 mil páginas, foram localizados vários registros da realização da audiência na ETFSC. A indicação do local foi feita à Justiça Militar pela Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina. O resultado preliminar das investigações foi apresentado à CEV em julho de 2014. A versão final do relatório, com 35 páginas e 28 anexos, elaborada após a pesquisa no Arquivo do Superior Tribunal Militar, será entregue à CEV durante a homenagem.

Perfil

Nascido em Tubarão, em 1950, Marcos Cardoso Filho era engenheiro eletricista formado pela UFSC e começou a dar aulas no curso de Eletrotécnica da ETFSC em abril de 1973. Em 1975, passou a atuar como docente também na UFSC, no Departamento de Engenharia Elétrica – antes, no início dos anos 1970, já havia lecionado Física no Colégio de Aplicação da UFSC e no Instituto Estadual de Educação. Conforme relato de seus familiares, amigos e ex-alunos, Marcos tinha na atividade docente uma de suas grandes paixões.

Apesar de sua aptidão para as ciências exatas, Cardoso Filho também tinha forte inclinação à ciência política e militava, desde o final dos anos 1960, no então proscrito Partido Comunista Brasileiro (PCB). Foi sua atuação como militante que o levou a ser preso na Operação Barriga Verde, deflagrada pelo governo militar ditatorial da época para coibir a reorganização do PCB em Santa Catarina. Julgado em fevereiro de 1978 e condenado a três anos de prisão, o professor deixou a Penitenciária de Florianópolis em abril do mesmo ano, sob liberdade condicional, mas não voltou a dar aulas na ETFSC. Foi demitido pelo então diretor Frederico Guilherme Büendgens, por justa causa, em setembro de 1978. Manteve o vínculo de professor da UFSC até sua morte, em 1983, em decorrência de um acidente de barco.

Documentário

Foto divulgação_Documentário1A jornalista Giovana Perine, diretora do documentário “História recontada: Marcos Cardoso Filho e a ditadura na Escola Técnica”, diz que contar a história do professor Marcos Cardoso Filho foi um desafio para toda a equipe envolvida no projeto, principalmente no momento em que comissões da verdade são instauradas em todo o país para resgatar e recontar a história brasileira. “Mostrar a ocorrência de fatos como a realização de uma audiência militar em uma escola pública é vital para entender o que foram os anos da repressão”, afirma. “Mais oportuno ainda é contar isso em um audiovisual para professores e alunos desta mesma escola. Afinal, são fatos que construíram a história de Santa Catarina e do Brasil e que aconteceram no local onde trabalhamos, estudamos, onde estamos todos os dias”, acrescenta a jornalista.

Para a produção de 24 minutos, a equipe trabalhou com dezenas de documentos, centenas de fotos e mais de sete horas de material bruto de gravação, resultado de entrevistas com familiares, amigos e ex-alunos do professor Marcos Cardoso Filho, além das filmagens dos locais onde o professor trabalhou e ficou preso. “Procuramos mesclar as memórias de quem conviveu com Marcos a informações oficiais, documentos e fotos da época para construir um perfil bastante verossímil de um professor apaixonado pela democracia”, detalha Giovana.

Retratação pública

A reitora do IFSC, Maria Clara Kaschny Schneider, afirma que o documentário é uma forma de ampliar o acesso ao trabalho de resgate feito pela comissão interna que, a pedido da Comissão Estadual da Verdade, realizou a pesquisa sobre Marcos Cardoso Filho. “E, principalmente, uma forma de homenagear o professor que lutou contra a ditadura de forma tão contundente, e por isso passou por torturas e constrangimentos. É também uma maneira de reconhecer o sofrimento de sua família”, diz. Com a homenagem, o IFSC busca também desculpar-se publicamente pelos atos infringidos ao professor, como sua exclusão da instituição e a abertura da audiência militar aos ex-alunos de Marcos. “O professor Marcos Cardoso Filho era um grande profissional, grande pesquisador, e nossa instituição certamente perdeu muito com sua demissão. É preciso que esse erro seja reconhecido publicamente”, considera a reitora.

Aniversário

A homenagem a Marcos Cardoso Filho é um dos eventos da semana de comemorações aos 105 anos do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) e da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. As atividades terão início às 16 horas do dia 22, com a abertura do 13° Didascálico, no Câmpus Florianópolis. Veja abaixo a programação completa:

Dia 22, segunda-feira
16h – Abertura do Didascálico com Coral e Orquestra Experimental do IFSC e apresentação do grupo de dança Topp Dance (Câmpus Florianópolis)
19h – Homenagem ao professor Marcos Cardoso Filho (Auditório da Reitoria)

Dia 23, terça-feira
9h30 – Coral Floripa En’Canta (Câmpus Florianópolis)
10h – Homenagem aos aposentados e corte do bolo (Câmpus Florianópolis)
13h30 – Palestra “Altas Habilidades/Superdotação”, com Andreia Panchiniak do Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação de Santa Catarina (Auditório do Câmpus Florianópolis)
15h – Assinatura simbólica dos convênios Neads com as prefeituras e corte do bolo (Auditório da Reitoria)

Dia 24, quarta-feira
14h – Teatro “O misterioso sumiço do Boi de Mamão” (Câmpus Florianópolis)
14h – Instalação da mesa de negociação permanente com o Sinasefe (Gabinete da Reitora)
19h – Teatro “Histórias Sujas” (Câmpus Florianópolis)

Dia 25, quinta-feira
10h – Mesa Redonda “O céu como objeto de múltiplos olhares (astronomia, mitologia, artes)” (Câmpus Florianópolis)

Dia 26, sexta-feira
14h – Palestra “Articulação dos movimentos sociais surdos para garantia da educação bilíngue Libras/Português no Plano Nacional de Educação”, com a professora Ronice Muller de Quadros (Câmpus Palhoça Bilíngue)
14h30 – Encerramento do Didascálico com Thiniá Funio – “Vivência Indígena: um jeito índio de vir-ver a vida” (Câmpus Florianópolis)

Foto do alto: acervo família Cardoso
Foto de baixo: reprodução IFSCTV

Texto atualizado em 19/9/2014 às 18:33

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