Lançamento de documentário lota auditório da Reitoria
23. setembro 2014 | Escrito por Jornalismo IFSC | Categoria: Eventos, MatériasA homenagem prestada pelo Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) ao professor Marcos Cardoso Filho lotou o auditório da Reitoria na noite desta segunda-feira (22). Familiares, amigos, antigos companheiros de militância, colegas de trabalho, alunos e integrantes do movimento estudantil participaram da solenidade, na qual a reitora do IFSC, Maria Clara Kaschny Schneider, pediu desculpas pelos atos praticados contra o professor na instituição, então Escola Técnica Federal, na década de 1970. O ponto alto do evento foi o lançamento do documentário “História recontada: Marcos Cardoso Filho e a ditadura na Escola Técnica”, produzido pela IFSCTV. Também durante o evento foi anunciado que o auditório da Reitoria do IFSC passa a chamar-se Auditório Professor Marcos Cardoso Filho.
Assista ao documentário
Na solenidade, a reitora Maria Clara fez a entrega do relatório “De professor a réu: Marcos Cardoso Filho e a Escola Técnica Federal de Santa Catarina”, produzido por solicitação da Comissão Estadual da Verdade (CEV) Paulo Stuart Wright para esclarecer as circunstâncias da realização, em 21 e 22 de setembro de 1976, de uma audiência da Justiça Militar nas dependências da ETFSC, audiência na qual Cardoso Filho era réu. A pesquisa confirmou a realização do ato no antigo auditório da ETFSC, atual Câmpus Florianópolis, e também constatou que o desligamento do professor da instituição teve motivação política. Para o relatório, foram consultados documentos da ETFSC, matérias de jornais da época e o processo original da Operação Barriga Verde, que tem 12 volumes e cerca de 4 mil folhas. Cópias impressas e digitais do relatório final, com 35 páginas de texto e 38 documentos anexados, foram entregues a Naldi Otávio Teixeira, da CEV, e a Derlei Catarina de Luca (à direita), coordenadora do Coletivo Catarinense pela Memória, Verdade e Justiça.
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Entre os familiares participantes do evento estavam Tereza Cardoso e Rosemárie Cardoso Bittencourt, irmãs de Marcos, e três sobrinhas, além de Marise Maravalhas, ex-mulher de Marcos e mãe de seu único filho, Daniel, já falecido. Tereza recebeu uma placa em homenagem ao professor e agradeceu, emocionada: “É muita dor, muita emoção, essa lembrança de tudo. Ele lutou por um mundo melhor, onde as pessoas pudessem viver com mais liberdade. Infelizmente ele não pôde viver isso”.
“Nós estamos aqui hoje para homenagear o professor Marcos Cardoso e também para pedir desculpas por tudo o que aconteceu. É importante que nós tenhamos viva essa memória, para que nunca mais ninguém passe por esse tipo de constrangimento em função de seu pensamento e de seus ideais”, disse a reitora. “Somos uma instituição de educação e fazer esse resgate também é nosso papel. Nós temos compromisso com a verdade e com a história”, afirmou. Maria Clara agradeceu o pedido de informações feito pela Comissão da Verdade para esclarecer os fatos relacionados a Marcos. “Naquele momento a Comissão provocou em nós a necessidade de buscar essa história, e esse trabalho foi feito com muita dedicação pela comissão interna que foi criada. O resultado é um orgulho para todos nós”, disse Maria Clara.
Emocionado, Nestor Manoel Habkost, que foi aluno de Marcos na ETFSC e levou o assunto da audiência militar à Comissão Estadual da Verdade, elogiou a qualidade do resgate histórico feito pelo IFSC. “São quase 40 anos de esquecimento”, afirmou Habkost, hoje professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Nós ainda não entendemos o que motivou a realização dessa ação dentro de um estabelecimento de ensino, mas eu sei exatamente o que isso representou para os alunos. Marcos era um professor respeitadíssimo, adorado por todos, e nunca foi dada a ele a oportunidade de explicar a esses alunos o que ele estava fazendo ali”, lamentou. Habkost elogiou a agilidade da resposta dada pelo IFSC à demanda levada pela Comissão da Verdade e a iniciativa de fazer um desagravo público ao professor. “O IFSC teve a coragem de enfrentar a verdade de sua própria história e com isso dá uma demonstração de sua força”, salientou Habkost.
Perfil
Nascido em Tubarão, em 1950, Marcos Cardoso Filho era engenheiro eletricista formado pela UFSC e começou a dar aulas no curso de Eletrotécnica da ETFSC em abril de 1973. Em 1975, passou a atuar como docente também na UFSC, no Departamento de Engenharia Elétrica – antes, no início dos anos 1970, já havia lecionado Física no Colégio de Aplicação da UFSC e no Instituto Estadual de Educação. Conforme relato de seus familiares, amigos e ex-alunos, Marcos tinha na atividade docente uma de suas grandes paixões.
Apesar de sua aptidão para as ciências exatas, Cardoso Filho também tinha forte inclinação à ciência política e militava, desde o final dos anos 1960, no então proscrito Partido Comunista Brasileiro (PCB). Foi sua atuação como militante que o levou a ser preso na Operação Barriga Verde, deflagrada pelo governo militar ditatorial da época para coibir a reorganização do PCB em Santa Catarina. Julgado em fevereiro de 1978 e condenado a três anos de prisão, o professor deixou a Penitenciária de Florianópolis em abril do mesmo ano, sob liberdade condicional, mas não voltou a dar aulas na ETFSC. Foi demitido pelo então diretor Frederico Guilherme Büendgens, por justa causa, em setembro de 1978. Manteve o vínculo de professor da UFSC até sua morte, em 1983, em decorrência de um acidente de barco que vitimou também seu único filho, Daniel, 4 anos, e outras quatro pessoas.
Documentário
Dirigido pela jornalista do IFSC Giovana Perine, o documentário “História recontada: Marcos Cardoso Filho e a ditadura na Escola Técnica” foi produzido a partir do relatório sobre as circunstâncias da realização da audiência da Justiça Militar na ETFSC. Para a produção, a equipe trabalhou com dezenas de documentos, centenas de fotos e mais de sete horas de material bruto de gravação, resultado de entrevistas com familiares, amigos e ex-alunos do professor Marcos Cardoso Filho, além das filmagens dos locais onde o professor trabalhou e ficou preso. “Procuramos mesclar as memórias de quem conviveu com Marcos a informações oficiais, documentos e fotos da época para construir um perfil bastante verossímil de um professor apaixonado pela democracia”, detalha Giovana.
Para a jornalista, contar a história do professor Marcos Cardoso Filho foi um desafio para toda a equipe envolvida no projeto, principalmente no momento em que comissões da verdade são instauradas em todo o país para resgatar e recontar a história brasileira. “Mostrar a ocorrência de fatos como a realização de uma audiência militar em uma escola pública é vital para entender o que foram os anos da repressão”, afirma. “Mais oportuno ainda é contar isso em um audiovisual para professores e alunos desta mesma escola. Afinal, são fatos que construíram a história de Santa Catarina e do Brasil e que aconteceram no local onde trabalhamos, estudamos, onde estamos todos os dias”, acrescenta.