Memórias não se Aposentam: para Álvaro Luz, a melhor sala de aula é o mundo

11. setembro 2015 | Escrito por | Categoria: Câmpus Florianópolis, Matérias
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Álvaro Luz (segundo, da direita para a esquerda) com os colegas da CPPA

Uma forma diferente de ensinar Geografia e Geologia, a partir dos conhecimentos do próprio aluno, sempre foi a busca do professor aposentado do IFSC, Álvaro Fernando Luz. Formado em Geografia pela UFSC, ingressou na Escola Técnica em 1969. Por mais de 30 anos, ministrou aulas para alunos dos cursos de Edificações, Saneamento, Agrimensura e Topografia.

Álvaro conheceu a Escola Técnica por meio do irmão, Telmo, que já era servidor. Quando ingressou no IFSC, Álvaro era professor do Instituo Estadual de Educação e servidor concursado da Penitenciária do Estado. Como secretário geral do Conselho Penitenciário, atendia vários presos diariamente e os encaminhava para o psiquiatra, para o advogado, fazia revisão de processos, comutação de pena, e até ouvia os desabafos dos apenados. Foram 22 anos trabalhando assim, em paralelo com a educação. Após esse período, passou a trabalhar em tempo integral na Escola Técnica até se aposentar, em 1990. Atualmente, atua na coordenação da Comissão Permanente de Preparação para Aposentadoria (CPPA).

“A geografia, para mim, tem uma importância profunda. Você é geografia. Teu óculos, teu xale, de onde veio tudo isso, onde foi a confecção, de onde veio a matéria-prima? A compra, a venda, o uso, tudo é geografia. Muita gente diz ‘a história é importante’, mas a nossa história a gente faz agora. Vamos fazer nossa história agora, daqui a cinco minutos já não podemos fazer”, destaca.

Aulas aos sábados para conhecer a ilha

Álvaro sempre buscou formas diferentes de ensinar e de fazer avaliação. Ele procurava ensinar geografia a partir dos conhecimentos que o aluno tinha do próprio bairro, a cidade, e depois partia para os conhecimentos sobre o estado, país e mundo. A primeira pergunta, na primeira aula de cada turma, era: “você conhece seu bairro? Qual o fato geográfico que há no seu bairro?”. Era a maneira de despertar o interesse do aluno sobre a própria realidade.

Seguir à risca os programas dos livros era um problema: “eu adorava dar aula de Geografia. Eu nunca obedeci o programa, nem do Estado e nem do Governo Federal. Era uma coisa feita em gabinete, por gente que não tinha noção. Com todo o respeito, mas é um ‘saco’ decorar as capitais”.

Para Álvaro, a melhor sala de aula era sair a campo para estudar os aspectos geográficos da ilha de Santa Catarina. A cada sábado, levava os alunos de uma das turmas para uma aula prática. O ônibus partia às 6h30 da Escola Técnica, na Mauro Ramos, e dava a volta à ilha, com 29 paradas de estudo. “Nós tínhamos um cronograma de viagem. Saindo da Escola Técnica, íamos até o Pântano do Sul, pegávamos a parte leste da ilha e íamos até o extremo norte. Depois retornávamos às sete e meia da noite”, conta.

Cada turma de 30 alunos era dividida em cinco equipes, que se revezavam na observação e relatório. Em cada parada, o relator da turma era trocado, para que nenhum ficasse sem fazer atividades. “Em cada equipe, cada um deveria levar um calção, as meninas um maiô, para quando chegasse na lagoa, mergulhar para pegar solo”, conta Álvaro. Os estudantes eram orientados a observar a topografia, o solo, a vegetação, a paisagem, escavar em busca de fósseis nos sambaquis. Os materiais coletados eram analisados e depois arquivados no laboratório do Câmpus.

Álvaro inovava até na avaliação. A entrega do relatório das equipes era a prova do semestre. Porém, a forma diferente de avaliar os alunos era incompreendida por alguns colegas professores que fizeram uma representação formal à direção. “Diziam que eu era ‘mamateiro’ e não fazia provas”, recorda. O professor foi inocentado e os colegas punidos com um pedido de desculpas.

Para ele, a maior alegria é encontrar alunos e ser reconhecido e lembrado pelas aulas. Porém, acredita que, mais importante que ser lembrado, é saber que o aluno assimilou o conteúdo e teve o interesse despertado para o assunto.

O perfil do aluno na Escola Técnica

Álvaro acredita que o perfil do aluno vem mudando bastante desde a época em que era professor. Se refere principalmente ao comportamento e à forma de lidar com as novas tecnologias. Para quem a paisagem era seu “quadro negro”, é difícil entender como as novas gerações interagem com o mundo a partir da tela do computador.

Álvaro lembra da figura do “moscão”, um funcionário que ficava no pátio e pelos corredores observando o comportamento dos alunos. Se encontrava alguém fumando, namorando, ou mesmo de mãos dadas, o aluno era levado diretamente pra a diretoria. Essa era também a época do uso obrigatório do uniforme. “Hoje eles vêm de chinelo de dedo e de calça rasgada. Mudou bastante”. Como ainda frequenta o Câmpus, como membro do CPPA e do Sindicato, pode observar essas diferenças.

Também tem uma visão crítica sobre a tecnologia. “Acho que a tecnologia não ajuda. Os alunos não raciocinam. Manda fazer um trabalho sobre qualquer assunto e o aluno vai lá no Google. Ele não tem vivência no campo, na coisa real. Se perguntar para um aluno sobre a população do distrito de São Martinho, eles vão pesquisar na internet, mas não vão lá, conversar com as pessoas, saber como é”.

Em suas aulas de campo, Álvaro fazia os alunos conversarem com as pessoas do local, com os pescadores, aprender em campo, conhecer a realidade pessoalmente. Segundo ele, a melhor forma de aprender algo, sem a mediação tecnológica. “Eu conseguia fazer os alunos irem na aula aos sábados, pois a minha metodologia era diferente”, recorda.

Escola Superior de Guerra

Álvaro cursou a Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro, durante nove meses, como o único catarinense da turma. Ele conta que a metodologia “militar” o incomodava. “O professor ficava uma hora lá, só lendo. Aí, entregava cópias para cada um e, no outro dia, fazia perguntas. Ainda bem que eles não exigiam respostas. Geralmente quem respondia eram os militares graduados da Marinha, do Exército e da Aeronáutica que estavam lá”, recorda.

O convite para participar do curso foi feito pelo então diretor Frederico Büedgens, de quem era amigo. Como gostava de chegar cedo ao trabalho, acabava tomando café e conversando com o diretor. “Meu filho também se dava muito bem com ele. Até fez um retrato que o diretor colocou na casa dele”, lembra.

Atuação fora da sala de aula

Álvaro também tem histórias para contar sobre suas atividades fora da sala de aula. “Eu montei seis eventos, entre eles dois aniversários da escola. Teve um evento até que no último dia desmaiei de cansado. Fazíamos gincana, barraquinhas, a gente chamava a comunidade toda. Teve um ano que arrecadamos duas toneladas e meia de produtos para entregar para os pobres. Foi uma forma de chamar a vizinhança. Tínhamos uma vizinhança bem normal com o pessoal do morro”.

Na época em que não havia concurso público, o professor de Geografia era chamado para compor bancas de avaliação. “Presidi algumas mesas de escolha de candidatos, pois naquela época não tinha concurso. Indicavam uma comissão, mas muitas vezes só eu é que aparecia. Os quatro professores que eu coloquei lá foram maravilhosos”. Foi presidente de sindicância e assessor do departamento de Ensino, na gestão de Alfeu Ermenegildo, assistente de quatro ex-diretores e coordenador do Departamento de Educação Moral e Cívica.

Depois da aposentadoria

Após a aposentadoria, em 1994, Álvaro ficou oito anos sem atividades profissionais. “Era um dominó, uma canastrinha, uma pescaria, um círculo vicioso. Aí, chamei a mulher e os filhos e disse que ia mudar, precisava fazer alguma coisa”. A partir daí, começou a se preparar para dar palestras em centros espíritas e atividades beneficentes. Atualmente, é diretor da CPPA e organiza as atividades e viagens do grupo. Também faz parte do sindicato e, sempre que pode, está presente no IFSC. “Diretamente, estive na escola por 32 anos. Indiretamente, estou na escola o tempo todo, de 69 para cá. Não passo uma semana sem ir na escola. Hoje, os antigos e os novatos me conhecem, cumprimento todo mundo”, completa.

* A série de entrevistas “Memórias não se Aposentam” é um projeto do Centro de Memória, Documentação e Cultura do IFSC (CMDC – IFSC). O objetivo é preservar um patrimônio valioso: a memória dos servidores aposentados, que muito contribuíram para a instituição ser o que é hoje, e resgatar fatos que marcaram a história do IFSC na visão de seus protagonistas. A série é publicada no site do IFSC e no Link Digital quinzenalmente, às sextas-feiras.

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