Memórias não se Aposentam: Noemia Brall conta a história das artes cênicas no IFSC
9. outubro 2015 | Escrito por Jornalismo IFSC | Categoria: Câmpus Florianópolis, Informes, MatériasCriatividade, sensibilidade, comunicação, concentração, responsabilidade, além de muita cultura e diversão. Para a professora Noêmia Brandt Brall, fundadora do Grupo Teatral Boca de Siri, as artes cênicas fazem parte da formação do estudante: “há que se considerar que a arte gera conhecimento. Há que se entender que é necessário desenvolver no aluno a criatividade, o pensamento crítico e a reflexão ética”.
Noêmia ingressou na Escola Técnica em 1981, como professora substituta. Em janeiro de 1985, prestou concurso público para professor efetivo, ficando em primeiro lugar. Aposentou-se em maio de 2005. Nesse período, ministrou aulas de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira nos mais diversos cursos da Escola. Durante seis anos, de 1994 a 1999, foi também coordenadora da Coordenadoria de Comunicação e Expressão, que contemplava as disciplinas de Língua Portuguesa e Literatura e Educação Artística: Música e Artes Plásticas.
Ela recorda de vários projetos que ajudou a construir, tanto em Florianópolis quanto em Joinville, onde atuou de 2000 a 2003. Incentivou a criação do manual para elaboração de relatórios de estágio dos alunos nas áreas técnicas e, como atividade extraclasse, colaborou com a publicação anual do livro “Crônicas e Poesias”, com os melhores trabalhos escritos pelos alunos dos diferentes cursos e fases, selecionados pelos professores. Foi um projeto sugerido e sob a coordenação da professora Celita Angeloni, tendo sempre a colaboração dos demais professores.
“Vários alunos se destacavam principalmente com poesias e crônicas de grande sensibilidade, sendo o lançamento dessa obra um momento de muita emoção para os alunos, para os familiares e, principalmente, para seus professores”, recorda. O lançamento ocorria sempre na “Semana da Escola”, em setembro. Pela qualidade e quantidade de textos produzidos, muitos alunos chegaram a lançar obras individualmente, ou em duplas e grupos. Até professores e técnicos-administrativos publicaram uma obra, o “Prelúdio Literário dos Servidores da ETFSC”.
Boca de Siri
Entre tantas iniciativas da professora Noêmia, destaca-se a criação do “Grupo Teatral Boca de Siri”. O desejo de criar um grupo de teatro na Escola Técnica surgiu em 1992, com a elaboração do primeiro projeto, mas que não foi levado adiante.
Em setembro de 1994, durante a Semana da Escola, foi promovida a 1ª Mostra do Potencial Educativo, com exposição de trabalhos dos alunos dos mais diversos cursos, inclusive o lançamento do livro “Crônicas e Poesias” e exposição de camisetas com frases de autoria dos alunos. “Como havia trabalhos escritos de nossos alunos, tomei a iniciativa de promover uma atividade oral, pois vários deles demonstravam talento para o teatro e declamação de poemas”, recorda. Assim, foi realizado o “Panorama da Literatura”, com os alunos declamando poesias e contos trabalhados previamente em sala de aula. “A apresentação foi coroada de sucesso e elogios!”, lembra Noêmia.
A então diretora da Escola Técnica, Soni de Carvalho, ficou emocionada com a atividade, especialmente com a interpretação de parte do poema “I Juca Pirama”, de Gonçalves Dias. Noêmia respondeu que o projeto já existia, e foi incentivada a reapresentá-lo, com o título “Motivando o Teatro na Escola”. Noêmia lembra que o professor Sérgio Cândido, hoje ator de renome, já havia tentado criar um grupo de teatro na escola, mas faltava o espaço físico. Mesmo assim o projeto foi aprovado pelo Conselho da Escola e levado adiante, especialmente pelo empenho da então diretora: “Soni, com sua coragem, sua perspicácia, sua sabedoria e sua determinação conduziu a Escola de maneira moderna, arrojada, dando início na comunidade escolar a um verdadeiro processo democrático”.
O espaço físico sempre foi um problema. Os ensaios deram início em salas de aula normais, nos intervalos de 17h30 e 18h30. O auditório também não era adequado às apresentações. Noêmia recorda que em uma das primeiras apresentações ao público, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, havia 12 atores no palco e apenas nove pessoas assistindo.
Por iniciativa da direção da escola, Noêmia foi convidada a participar do projeto para reforma do Auditório, com recursos federais. Uma sala de aula foi anexada ao Auditório, aumentando seu espaço físico e possibilitando a construção de um palco apropriado. “A obra ficou pronta e foi inaugurada com muita festa pelos alunos”, conta Noêmia. A partir de então, as apresentações ganharam cada vez mais destaque na Escola Técnica. “De repente, a comunidade escolar se tornou consciente da importância do teatro na escola e todas as apresentações foram sempre exitosas, inclusive com alunos sentados nos corredores, o que incentivava muito o aluno-ator”.
A peça “No Senadinho” marcou a estreia do grupo. Foi baseada em autores que se manifestavam sobre Florianópolis e tornou-se um grande espetáculo, que mobilizou a literatura, a música e o canto, com a presença de mais de 50 alunos participantes, com destaque para o Coral, regido pelo maestro Carlos Lucas Besen. Foi também a peça que lançou o nome do grupo, “Boca de Siri”, a partir do conto policial “Boca de Siri – o caso da pasta preta”, de Glauco Rodrigues Correa, professor de Literatura da UFSC e professor de muitos colegas de Português da Escola Técnica. “Glauco foi também assessor da direção geral da ETFSC. Por isso uma homenagem justa e merecida”, afirma.
O grupo era sempre muito solicitado, em todas as ações da escola, como seminários, encontros de professores, comemorações e datas especiais. “As atividades de destaque foram inúmeras, pois o que Soni sempre exigiu do grupo foi um resultado efetivo, ao iniciar com as atividades remunerando pela Escola um diretor de teatro”, conta.
Quando ocorria um seminário, encontro de professores, ou qualquer outra comemoração na escola, lá estava o grupo com um esquete, às vezes preparado de uma semana para outra. Noêmia recorda de um momento de destaque, o Encontro Nacional dos Professores de Matemática, quando os alunos encenaram a peça com base no livro de Malba Tahan, “O Homem que Calculava”. “A apresentação foi muito aplaudida pelos participantes, inclusive tornando o projeto conhecido em nível nacional, sendo solicitada cópia por vários professores presentes que o levaram a suas escolas”, recorda. Noêmia conta que, mesmo em época de greve, a pedido da Diretoria do Sindicato, os alunos também manifestavam sua opinião de apoio, interpretando textos de autores de renome, para conscientizar da necessidade de luta de professores e funcionários pelos seus direitos.
Outro momento emocionante, segundo Noêmia, foi a montagem da peça baseada na biografia e obra do poeta catarinense Lindolf Bell. “Desde a entrevista do autor em nossa Escola, até sua estreia, a peça recebeu o nome de ‘Menor que meu sonho não posso ser’, título de um de seus poemas de sucesso”. Noêmia lembra da “Catequese Poética” de Bell, em que declamava poemas em praças públicas, em hospitais, em prisões, “onde o povo está”. Projetos de Bell, como exposição de poemas em forma de varal e camisetas com frases de poemas, foram reproduzidos na Escola Técnica.
Em julho de 1999, a escola realizou a “Estação das Artes”, uma semana de atividades artísticas como artes cênicas, música, artes plásticas e canto. Como a morte de Lindolf Bell em 5 de dezembro de 1998, o autor foi o tema central do evento. Um dos destaques foi a exposição de camisetas engomadas com resina com frases de suas obras, intitulada “Corpoemaimagem de Lindolf Bell”. “Foi algo inédito na Escola, tudo centralizado em seu ginásio de esportes”, recorda Noêmia. Várias escolas visitaram a Exposição, participando inclusive da Mostra de Teatro, com 20 grupos da Grande Florianópolis.
A “Estação das Artes” contou ainda com diversas mostras artísticas, como As Annamárias, de Marlene Karen, uma interpretação plástica desta obra de Lindolf Bell; Clips – espaço de criação para leitura iconográfica de poemas, idealizado por alunos; Denúncia – arte e movimento em defesa da vida – do grupo Pandorgas Partidas da UFSC, além de outras obras, de servidores e alunos.
Noêmia recorda de outro espetáculo de grande repercussão, que foi a peça “O Contestado”, de Romário José Borelli, dirigida por Leon de Paula, que também foi diretor do “Boca de Siri”. O espetáculo contou com apoio financeiro do governo do Estado, o que possibilitou a sua apresentação em várias outras escolas. Foi iniciativa do então governador Espiridião Amin apoiar o grupo.
A professora costumava levar os alunos à Academia Catarinense de Letras, em especial aqueles que demonstravam habilidade como escritores. Um momento especial foi a visita da então presidente da Academia Brasileira de Letras, Nelida Piñon, à Academia Catarinense, quando os alunos declamaram o “Poema do Andarilho”, escrito pelo catarinense Lindolf Bell em homenagem a Nelida.
O grupo também participava de outros eventos culturais da cidade, declamando poemas e apresentando esquetes. Em toda essa trajetória, com muitas histórias para contar, Noêmia destaca o constante apoio recebido dos colegas, dos alunos, e em especial a diretora Soni de Carvalho.
Atuação em Joinville
Noêmia atuou por quatro anos, de 2000 a 2003, no Câmpus Joinville, então Gerência de Joinville, vinculada à Escola Técnica em Florianópolis. Foi coordenadora pedagógica e professora da disciplina de Elaboração de Projetos no curso técnico em Enfermagem. “Com a professora Cleia, idealizamos os Projetos de Ação Comunitária, os PACs, acompanhando os alunos nos locais e corrigindo os respectivos relatórios. Atualmente, estão ainda em vigor”, conta.
Mesmo em Joinville, não deixou o teatro de lado. “No curso de Enfermagem em Joinville, também encenamos, com base em várias pesquisas com os alunos sobre a História da Enfermagem, a peça ‘Anjos de Branco’, com o apoio da professora Kátia, o que também foi um sucesso”, afirma. Depois de retornar de Joinville, Noêmia trabalhou por mais um ano na Escola Técnica e se aposentou, em 2005.
Importância da formação em artes
A professora Noêmia acredita que as artes cênicas ajudam a desenvolver a sensibilidade e a criatividade do aluno. As habilidades adquiridas no teatro são complementares ao conhecimento técnico. “Em todas as áreas ele vai precisar de sensibilidade, pois vai conviver com seres humanos, e o teatro o torna mais humano, mais consciente, mais participativo”, destaca.
A comunicação dos alunos melhorava muito quando participavam do grupo, segundo Noêmia. A agilidade e atenção exigidas desde os ensaios até a montagem do figurino e cenários desenvolvem competências essenciais, como a liderança e a comunicação. “No teatro, tudo é rápido, o aluno tem que prestar muita atenção em tudo o que está acontecendo. Eles precisam desenvolver a parte crítica e prestar atenção ao detalhe, em tudo o que está acontecendo ao redor. Eles também aprendem a ter iniciativa, a fazer coisas diferenciadas. É uma preparação para o trabalho, e principalmente para a vida”, completa. Além disso, o teatro contagiava toda a escola: “o contato entre eles era muito bonito, as amizades, todas as fazes se juntavam. Eles eram muito divertidos e alegres. A alegria era contagiante”.
Para Noêmia, a arte deveria ser desenvolvida nas escolas desde o ensino fundamental. Além do teatro, a música e as artes plásticas precisam ter lugar de destaque nos currículos, deixando de ser apenas iniciativas isoladas de professores apaixonados pela arte.
20 anos de teatro no IFSC
Nos últimos anos antes da aposentadoria, Noêmia participou da elaboração do projeto da Comissão de Preparação para a Aposentadoria (CPPA). Mesmo aposentada, Noêmia acompanha as atividades do Boca de Siri. Ela se diz feliz em saber que o grupo continua, agora comandado pela professora Tânia Meyer. Segundo Noêmia, a continuidade é possível graças ao empenho de dirigentes e professores, e “a cada aluno-ator, que aceitou meu desafio, apresentando-se com tanto garbo e provendo, assim, com tanta sensibilidade e entusiasmo, o Grupo Teatral Boca de Siri na ETFSC”.
Noêmia também esteve presente nas comemorações de 20 anos do grupo, em 10 de maio de 2015. “Pude rever meus queridos alunos, que aceitaram o desafio de colaborar com as artes na Escola desde o início”, comemora. “Cada obstáculo superado, cada incompreensão esclarecida, cada vitória alcançada, cada sucesso elogiado, tudo continua muito vivo em minha memória, que compartilho hoje com todos os meus queridos alunos e colegas professores e lembro sempre com o maior carinho”, completa.
* A série de entrevistas “Memórias não se Aposentam” é um projeto do Centro de Memória, Documentação e Cultura do IFSC (CMDC – IFSC). O objetivo é preservar um patrimônio valioso: a memória dos servidores aposentados, que muito contribuíram para a instituição ser o que é hoje, e resgatar fatos que marcaram a história do IFSC na visão de seus protagonistas. A série é publicada no site do IFSC quinzenalmente, às sextas-feiras.