Pluralidade marca primeiro dia do congresso Mundo de Mulheres

1. agosto 2017 | Escrito por | Categoria: Eventos, Matérias, Reitoria
Abertura do Congresso

Abertura do Congresso

Um evento que se dispõe a abraçar o mundo e discutir toda a diversidade incorre no risco de deixar grupos de lado. Talvez o 13º Congresso Internacional Mundo de Mulheres, sediado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) entre 31 de julho e 4 de agosto em concomitância ao seminário Fazendo Gênero 11, tenha conseguido contornar essa tendência. No evento, o microfone permanece aberto para todos manifestos, movimentos, causas e vozes que parecem não ter vez fora dos muros da universidade.

Essa é o primeira edição do Mundo de Mulheres a acontecer em terras latino-americanas. Antes, o evento passou por Israel, Holanda, Irlanda, Estados Unidos, Costa Rica, Austrália, Noruega, Uganda, Coreia, Espanha, Canadá e Índia. Na última edição, reuniu 5 mil pessoas para discutir a temática de gênero. Ao aceitar a coordenação do evento no Brasil, o Instituto de Estudos de Gênero (IEG – UFSC) sabia a dimensão do desafio.

Foram 150 pessoas diretamente envolvidas na organização, cerca de 500 voluntários e inesperadas 8,5 mil inscrições para o congresso. Congressistas de todos os continentes devem se encontrar em Florianópolis, mas foram definidos como idiomas oficiais o português, o inglês e o espanhol.

Apesar de ser um público numeroso majoritária, embora não exclusivamente feminino , as atividades são esparsas pelos auditórios, centros e prédios da UFSC. Alguns cursos incorporaram o congresso ao calendário acadêmico para poder ceder suas salas de aula. No pátio em frente ao antigo prédio da Reitoria, três tendas concentram discussões sobre saúde, estantes de coletivos feministas e rodas de discussão. Há algumas salas ocupadas também no câmpus principal da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), além de saídas de campo.

O Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) é reconhecido pela parceria operacional. Dez servidores de seis câmpus e pró-reitorias atuaram nas comissões. Parte da equipe estabelecendo contato e negociação para trazer movimentos sociais, outra parte organizando visitas a projetos sociais da região. Há estudantes e docentes do instituto entre os voluntários e os congressistas.

Roteiro: Revolução dos Baldinhos

Roteiro: Revolução dos Baldinhos

A saída de campo que abriu o circuito de roteiros do evento foi organizada pelo IFSC, sob coordenação de Cristina Kuba, servidora técnica-administrativa da Pró-reitoria de Extensão e Relações Externas (PROEX). Pela manhã, um grupo de conferencistas conheceu o projeto Revolução dos Baldinhos no bairro Chico Mendes, uma comunidade da área continental de Florianópolis. O projeto de compostagem dos resíduos orgânicos foi criado em 2008 para sanar a presença de ratos e outros problemas sanitários na comunidade. Hoje, o centro de compostagem é gerenciado por mulheres e contribui para geração de renda de cerca de 100 famílias. As congressistas acompanharam toda a logística do projeto, que inspirou iniciativas similares em todo o Brasil.

Encontro ganha caráter político

Mesa-redonda sobre gênero e trabalho

Mesa-redonda sobre gênero e trabalho

A pluralidade dos movimentos feministas se reflete na composição da programação. Circulando entre os espaços da universidade é possível se deparar com toda sorte de discussão. Durante a tarde, na Tenda Mundo de Mulheres, que abriga coletivos e instituições participantes, uma roda de conversa entre estudantes secundaristas tinha como proposta analisar as relações de gênero nas ocupações, no final de 2016. Entraram em pauta, por exemplo, lideranças femininas nos movimentos e divisão de tarefas nos espaços ocupados. Na roda, haviam representantes do Câmpus Florianópolis do IFSC, um dos câmpus que abrigou ocupações estudantis no último ano. As mobilizações em todo o país mostraram resistência aos cortes orçamentários sobre a Educação e a implantação no novo Ensino Médio.

Logo adiante, no auditório do Centro Socioeconômico (CSE), palestrantes davam início a uma mesa-redonda sobre Gênero e Trabalho. Esse tipo de associação é chamada “intersecção”. Se toda mulher está sujeita ao machismo, por exemplo, a opressão sofrida é mais sensível se ela for uma mulher de classe baixa, submetida a postos de trabalho precários. Nesse sentido, se ela for uma mulher negra, a opressão de classe e de gênero deve dialogar com o racismo.

“Sem a interseccionalidade, o feminismo da moda se torna um feminismo de mulheres caucasianas, de classes altas e privilegiadas” diz a filósofa Helena Hirata, docente da Universidade de Paris. A mesa seguiu analisando o crescente protagonismo de mulheres nas lutas sindicais enquanto, no Auditório Guarapuvu, o principal do câmpus, um fórum de debates discutia políticas públicas voltadas para mulheres, em especial na área educacional.

Coletivo Odara se apresenta na abertura

Coletivo Odara se apresenta na abertura

No mesmo auditório, por volta das 18h, congressistas se reuniam para reservar seus lugares na abertura oficial. A cerimônia iniciou 19h30 com apresentação artística do coletivo Odara, formado por musicistas catarinenses militantes do feminismo. A voz eloquente da cantora Dandara Manoela silenciou o público, que já preenchia as galerias e corredores do auditório.

A etapa protocolar do evento, geralmente maçante, teve no Mundo de Mulheres um tom eloquente. A mesa foi composta por autoridades da UFSC, Udesc, IFSC, IEG e da bancada feminina na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) e do movimento Marcha Mundial de Mulheres.

As falas não pouparam críticas aos cortes no orçamento público, reparos na legislação trabalhista e previdenciária, deposição da presidenta Dilma Rousseff e o abandono de políticas públicas voltadas às mulheres. Existe um consenso, entre os discursantes, de que a conjuntura nacional e internacional não é promissora para o combate de desigualdades de gênero e suas intersecções. De forma mais profunda e estrutural, os movimentos são uma reação ao feminicídio e violências físicas e simbólicas contra as mulheres.

Cerimonial de abertura

Cerimonial de abertura

Um ponto trazido pela militante moçambicana Graça Samo, coordenadora da Marcha Mundial das Mulheres, levantou a plateia em ovação. Samo usou a deixa dos cinco minutos de fala na mesa para colocar-se como porta-voz. “Este congresso é importante e me alegra estamos aqui, mas quem importa realmente são aquelas que representamos, aquelas que ficaram nas comunidades.” A ativista relembrou, também que a abertura acontece no Dia da Mulher Africana, 31 de julho.

Em sua fala, a reitora do IFSC, Maria Clara Kaschny Schneider, demonstrou esperança de que o congresso reacenda a luta pela igualdade de gênero. Relembrou do potencial de transformação da educação e do projeto de interiorização dos institutos de educação profissional. Desde 2017, representantes do instituto compõem o núcleo de pesquisadores do IEG.

Ao fim do cerimonial, houve uma conferência com a doutora em Letras Maria Odete da Costa Soares Semedo, investigadora Sénior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa da Guiné-Bissau (INEP). Semedo presidiu a comissão da Unesco e liderou as pastas de Educação e Saúde no governo de Guiné-Bissau, na África.

As conferências, tendas, fóruns de discussão, simpósios e apresentações artísticas têm as portas abertas ao público durante toda a semana. Acesse o site do evento para conferir a programação.

Por Eduarda Hillebrandt | Estagiária de Jornalismo IFSC

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