Memórias não se Aposentam: Edison Salvador testemunhou o surgimento da democracia na Escola Técnica

23. outubro 2015 | Escrito por | Categoria: Matérias
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Professor Edison no dia da posse como presidente da Asetefesc

O professor de Mecânica do Câmpus Florianópolis, Edison Salvador, foi testemunha e participante de um período conturbado e, ao mesmo tempo, de grandes avanços para o IFSC, a abertura democrática. Ele foi o primeiro presidente da Associação dos Servidores da Escola Técnica Federal (Asetefesc) após o fim da Ditadura Militar no Brasil, entre 1985 e 1986.

Edison ingressou na Escola Técnica como aluno do curso de Mecânica em 1968. Posteriormente, já cursando o último ano de Engenharia Mecânica na UFSC, foi admitido como professor, para ministrar aulas de mecânica técnica e elementos de máquinas nos cursos de Mecânica e Eletrotécnica. Aposentou-se no final de 1998.

“Minha história na Asetefesc teve início com a greve de fome do professor Felipe Acácio Jaques, após este ser demitido. A escola virou um caldeirão, surgiram forças radicais, moderadas e aliados à própria direção. Até apolíticos se envolveram, tamanha a dimensão do evento”, conta Edison. Segundo ele, o fato coincidiu com a última eleição indireta no país, a de Tancredo Neves. O impasse teve fim com a readmissão do professor, que a princípio ficou alguns meses afastado da sala de aula, considerada, por Edison, “a melhor solução”.

Logo em seguida, começou o movimento na escola pela eleição direta para diretor. O então ministro da Educação, Jorge Bornhausen, mandou emissário para dizer que a eleição deveria ser por lista tríplice, obedecendo à legislação da época. Assim, a comunidade escolar poderia definir a lista, cabendo a escolha final ao ministro. A própria direção da Asetefesc teve uma audiência com o ministro, solicitando eleições democráticas na escola.

Uma assembleia presidida por Edison foi convocada para discutir a forma que a eleição teria e quem seriam os candidatos. “Os mais radicais queriam a eleição absoluta, mas achávamos que não tinha sentido”, recorda Edison. Após discussões que só terminaram às quatro horas da manhã, decidiu-se pelas eleições proporcionais. Haveria três urnas, uma para os votos dos cerca de 300 professores, outra para os 300 servidores técnico-administrativos, e uma terceira, para os mais de 3 mil alunos, sendo que cada urna representava um percentual de votos.

Seis candidatos se manifestaram, sendo que cinco aceitaram as regras, e um posicionou-se contra. Os candidatos também aceitaram que, se fossem eleitos para a lista tríplice, só aceitaria o cargo aquele que fosse escolhido em primeiro lugar por toda a comunidade acadêmica.

As eleições foram realizadas em 21 de março de 1986. Pela paridade, Querino Flach foi eleito em primeiro lugar, seguido por Curt Hadlich e com Alfeu Hermenegildo em terceiro lugar. O ministro nomeou Alfeu, primeiro colocado na urna com mais peso, a dos professores, e ele acabou assumindo o cargo, contrariando o acordo.

Segundo Edison, foi um período bastante difícil. A administração Büendgens era alinhada à Ditadura Militar e qualquer manifestação contrária era mal vista. Em 1984, mesmo antes da abertura democrática, os servidores deflagraram greve. Durante o processo eleitoral, os ânimos foram acirrados: “defensores da direita ofendiam a gente no corredor, com agressões, para que a gente revidasse e fosse expulso”.

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Capa da primeira edição do jornal O Pulgão

Na época, a Asetefesc mantinha o jornal “O Pulgão”, de corrente literária e política, que acompanhava os acontecimentos da Escola Técnica. Nele eram publicadas entrevistas com professores e técnicos-administrativos, artigos assinados, opiniões sobre os mais diversos assuntos, um exercício de democracia e de comunicação com a comunidade escolar, em um período em que manifestar opiniões já não era tão perigoso.

Outras ações marcaram a gestão de Edison frente à Asetefesc. Uma delas foi a implantação do restaurante para servidores e o feirão toda a quinta-feira, nos fundos do Câmpus. “Como a inflação era alta, era vantajoso para o servidor comprar e ter o desconto em folha”, recorda. Porém, essa mesma inflação e o tabelamento de produtos, que geravam disparidade entre o preço de compra e de venda, fizeram com que esses dois serviços se tornassem insustentáveis. Mais do que isso, renderam a Edison desconfianças de desvio de recursos. Assim, pouco menos de dois anos após assumir, preferiu deixar o cargo. Ao mesmo tempo, assumiu cargos na federação nacional, que deu origem ao atual sindicato (Sinasefe).

Consciência política na formação do aluno

Edison foi aluno da Escola Técnica no período mais duro da Ditadura Militar, de 1968 a 1971. Naquela época, ninguém podia se manifestar politicamente. O Centro Cívico, espécie de “Grêmio Estudantil”, era formado por estudantes considerados “bem vistos” pela direção da escola. “O poder político dos alunos era nenhum. O jovem não tinha vontade de se manifestar politicamente porque era cerceado”, recorda.

A Novembrada (manifestação ocorrida no centro de Florianópolis em 30 de novembro de 1979, quando da visita do então presidente general João Figueiredo), segundo Edison, despertou na população catarinense o espírito crítico ao regime militar. Mais tarde, com a eleição indireta de Tancredo Neves, em 1985, a política começou a acontecer na Escola Técnica.

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Diretoria da Asetefesc (foto do livro “Da Escola de Aprendizes e Artífices ao IFSC, de Alcides Vieira de Almeida)

O ex-professor explica que, durante todo o processo eleitoral, os alunos eram chamados para as reuniões, especialmente aqueles que demonstravam uma liderança natural. Os professores evitavam falar em política em sala de aula, para não influenciar nos votos, mas esse já não era um assunto proibido na Escola. A eleição para diretor, em 1986, contou com a presença maciça dos estudantes, “um índice de presença na urna histórico para o Brasil. Quase 100% dos alunos votaram”.

Para Edison, além da formação técnica, voltada para a indústria, a Escola precisa estar aberta à formação integral do aluno, inclusive a participação política. Antes de 1986, os Conselhos de Classe não tinham a participação discente. O curso de Mecânica foi o primeiro a permitir a participação dos estudantes, com dois representantes escolhidos por cada turma. “Os alunos gostavam da gente, do nosso grupo de professores. Éramos sempre chamados para sermos os paraninfos, homenageados nas formaturas, pois nós queríamos mudanças”, completa.

Assim, após o conturbado processo eleitoral, a Escola Técnica rumou em direção à gestão democrática e participativa. Segundo Edison, a gestão de Alfeu Hermenegildo “foi o último resquício da ditadura. Depois, a Soni foi a primeira diretora que representou verdadeiramente a democracia na Escola Técnica”.

Edison comemora o fato de a Escola Técnica ter adotado o voto paritário desde então, e que agora não há mais lista tríplice, o Ministério da Educação só homologa o candidato escolhido pela comunidade escolar.

* A série de entrevistas “Memórias não se Aposentam” é um projeto do Centro de Memória, Documentação e Cultura do IFSC (CMDC – IFSC). O objetivo é preservar um patrimônio valioso: a memória dos servidores aposentados, que muito contribuíram para a instituição ser o que é hoje, e resgatar fatos que marcaram a história do IFSC na visão de seus protagonistas. A série é publicada no site do IFSC quinzenalmente, às sextas-feiras.

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