Improviso e organização, cuidados com a família e instabilidade: a percepção dos servidores sobre a pandemia

18. março 2021 | Escrito por | Categoria: Coronavírus, Gestão de Pessoas, Matérias

Apresentação SM na COVID 19Há um ano, nós, servidores do IFSC, estamos em trabalho remoto. A pandemia de Covid-19 obrigou a todos a transformarem seus lares em ambiente de trabalho, escola, lugar de descanso e de cuidado. Como estamos agora, um ano após o início da pandemia? Como ficaremos, sem perspectiva de voltar à antiga rotina?

Para responder a essas perguntas, a Coordenadoria de Saúde Ocupacional (CSO) do Câmpus Florianópolis realizou uma pesquisa com os servidores do câmpus com o objetivo de verificar como estava a saúde mental dos trabalhadores em situação remota, quais as estratégias de enfrentamento utilizadas e quais as principais necessidades psicossociais desses servidores. A pesquisa foi realizada no meio do ano. De lá para cá, algumas situações tiveram uma melhora e outras se intensificaram, segundo as coordenadoras da pesquisa, a assistente social Maria da Conceição Santos e a psicóloga Letícia Wiggers, que também fazem atendimento individual aos servidores.

Apresentação SM na COVID 19 (1)O maior desafio apontado, 39% das respostas, foi conciliar o trabalho com a atenção aos filhos, idosos e outros familiares sob seus cuidados. Readaptar a rotina diária, manter o autocuidado, atender as necessidades de familiares em outro domicílio ou manter o ambiente doméstico seguro e sem conflitos foram as demais preocupações apontadas, em sequência.

Acessaram o questionário 256 servidores, sendo que 160 completaram todas as questões e foram considerados como respostas válidas, ou seja, 34,5% dos servidores do câmpus. O questionário foi aplicado em junho de 2020 e muitos dados coincidem com os relatos recebidos nos atendimentos individuais realizados pela equipe desde o início da pandemia, segundo as coordenadoras da pesquisa.

Outra questão relevante diz respeito à percepção dos servidores sobre seu desempenho laboral. Nesta questão, o maior índice de respostas (20%) aponta que os servidores se sentem sobrecarregados com excesso de demandas e mais insatisfação no desempenho das atividades (19%). Porém, 17% sente-se orgulhoso do próprio trabalho, mesmo no contexto da pandemia.

Interação no trabalho (24%) e autonomia na realização de tarefas (21%) foram alguns pontos positivos apontados entre os servidores, além da possibilidade de trabalhar em casa (17%). No quesito insatisfação, no entanto, 28% disseram-se insatisfeitos com o contexto político e 24% se mostraram descontentes com as respostas e decisões institucionais. A falta de suporte institucional foi apontada como fonte de insatisfação para 18% dos respondentes.

Segundo a psicóloga Letícia, tanto na pesquisa quanto nos atendimentos individuais realizados pela CSO, o “improviso” no trabalho remoto, somado à rotina da casa, foi fator de grande nível de ansiedade relatado pelos servidores. “As questões de ansiedade no âmbito da pandemia são reações comuns. E esse comum precisa ser compreendido para não ser patologizado, medicalizado, mas que os nossos servidores possam visualizar novas formas de organização da vida, não só dos desafios de trabalho, dentro de um contexto adverso, de dúvida e de total imprevisibilidade”, afirma Letícia.

A psicóloga explica que no início da pandemia houve dificuldades para as pessoas organizarem um novo modo de trabalhar, como por exemplo os professores que precisaram aprender novas tecnologias para realizar as Atividades Não Presenciais (ANPs). Atualmente, acredita que as pessoas estão conseguindo se organizar melhor entre as demandas do trabalho e da vida pessoal e até encontrar algum prazer em estar em casa, como ter mais tempo para atividades de lazer. Outros pontos positivos apontados pelos servidores são a melhor organização das reuniões de trabalho e a aproximação com as equipes dos câmpus, pela facilidade dos encontros remotos.

Porém, alerta para a questão de que ainda não há uma regulamentação do teletrabalho, e algumas questões como o excesso de demanda ou uso indiscriminado dos meios de comunicação, como por exemplo receber mensagens de Whatsapp fora do horário de trabalho ou nos finais de semana, são motivos de ansiedade. “Estamos mais conscientes do que estamos fazendo. No entanto, estamos mais cansados”, alerta Letícia.

Como foi realizada a pesquisa

A ideia de realizar a pesquisa surgiu a partir de um curso que a assistente social Maria da Conceição Santos e a psicóloga Letícia Wiggers realizaram o curso “Atenção Psicossocial na Covid-19”, promovido pela Fiocruz. Os dados estão sendo sistematizados, apresentados aos gestores, e vão virar também tema de publicação acadêmica.

Conceição explica que a CSO realiza, desde 2014, um acompanhamento das condições de saúde física e mental dos servidores do Câmpus Florianópolis. Mesmo antes da pandemia, já era observado um número relevante de licenças médicas por transtornos mentais, como por exemplo a ansiedade. Com a pandemia, esse quadro foi agravado, com um aumento grande de procura por atendimento.

Nesse novo contexto, explica a assistente social, as orientações recebidas no curso da Fiocruz foram importantes para a criação de estratégias que pudessem auxiliar os servidores. “Os especialistas em desastres humanos da Fiocruz dizem é que situações como essa acarretam um agravamento de questões de saúde mental, além de casos novos”, explica. Assim, levaram a questão ao Grupo de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT), onde surgiu a ideia de realizar o diagnóstico.

Dentro do próprio questionário, foram incluídas dicas de autocuidado e estratégias de enfrentamento durante a pandemia de Covid-19 e a possibilidade de os servidores indicarem se precisam ou não de atendimento especializado.

Isolamento necessário

Conceição e Letícia alertam que as dificuldades ocasionadas pelo distanciamento social, reconhecidas como causadoras de ansiedade e sofrimento, não justificam a ideia de que é preciso voltar às atividades presenciais e decretar o fim das medidas de proteção. Elas reforçam a posição de que o isolamento social é necessário para enfrentar a emergência sanitária.

O que é preciso, porém, são estratégias para enfrentar da melhor maneira a situação. “A gente defende a necessidade absoluta do distanciamento. Ele traz impactos negativos, mas essa condição não pode sobrepor à necessidade absoluta de proteção à vida”, afirma Letícia. Assim, procurar alternativas para o bem-estar e melhor enfrentamento da situação negativa é importante.

O papel do servidor público

Como enfrentar os ataques aos servidores nas mídias sociais, de que somos privilegiados por estar em casa e ainda receber salário? Conceição relata que a visão que as pessoas têm sobre o servidor público como “alguém que ganha muito para trabalhar pouco” vem de antes da pandemia, como uma estratégia de desmonte do serviço público e das políticas públicas promovidas pelos governos, e que está se intensificando agora.”De certa forma, estamos em uma situação privilegiada, mas todos deveriam estar. Não devemos avaliar por baixo”, afirma Conceição. Lembra também que não estamos “parados”, mas trabalhando muito, ainda com nossos recursos, como computador e internet.

Segundo Letícia e Conceição, apareceu na pesquisa a preocupação dos servidores quanto à instabilidade do poder público em nível federal quando à condução de políticas públicas. Os servidores também se mostram preocupados com as incertezas institucionais relativas ao próprio IFSC. “Isso é fator de sofrimento e potencial causador de adoecimento. Essa questão precisa ser levantada”, destaca Letícia. Ela afirma que “esse é o momento de mostrar que os servidores não estão de férias, estão trabalhando muito. É o momento de mostrar quem está fazendo ciência nesse país, quem está informando a população, quem são essas pessoas”, completa.

Veja outras publicações no Link Digital e Portal o IFSC sobre o tema saúde mental no trabalho:

“Precisamos pensar de forma coletiva” – matéria no Link Digital

Locais com atendimento psicológico gratuito – Blog do IFSC

Como manter a saúde mental na pandemia – Blog do IFSC

Por Carla Algeri | Jornalista do IFSC

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